Quotidiano: Século XVIII
D. João V, rei absoluto - 1
"Nessa tarde, D. João V dava despacho ao secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, Sua Eminência o cardeal da Mota (...). Elegante, sereno, rosado como um inglês, no beiço pendente um jeito de desdém, calçando as suas largas luvas holandesas, afundou-se entre os braços de um cadeirão, e, olhando distraído, perguntou ao cardeal-secretário:
- 0 que há?
- Cartas de Inglaterra, de Viena de Áustria, da Holanda e de Roma, meu senhor. Veio também a "Gazeta de Londres", que mandou D. Luís da Cunha e onde se fala de Vossa Majestade.
- Que diz a "Gazeta de Londres"?
- Que o esplendor de Vossa Majestade está fazendo esquecer o de Luís XIV.
- Adiante. E que mais?
- Que Portugal é um grande país.
- Diz a verdade a "Gazeta de Londres". Quero que se mande a D. Luís da Cunha um presente de loiça do Japão. Está fazendo bem o seu lugar E que há de Viena de Áustria?
- De Viena... de Viena... Cá está. Diz Sebastião José de Carvalho e Melo que os bispos podem vir a Lisboa para cantar o Evangelho, como Vossa Majestade deseja. Mas pedem já 10 000 cruzados para as viagens.
- Que lhe parece, cardeal?
- Parece-me que pedem muito, meu senhor.
- Mande-lhes dar o dobro. E de Roma?
- Veio carta de André de Melo e Castro. Trata de vários assuntos. Diz que o título de Alteza Sereníssima para o cardeal Patriarca de Lisboa será difícil de obter do Papa...
- Difícil?
D. João V mordeu o beiço, carregou os sobrolhos, vincou duas rugas na testa alta, tornada mais alta ainda pela cabeleira vinda de França, e repetiu:
- Difícil? Diga a André de Melo e Castro que eu não tenho embaixadores, nem residentes, nem enviados extraordinários, para que se permitam achar difícil aquilo que desejo! Se Roma se vende caro, que a compre caro! Que atire o oiro às mãos-cheias a esses italianos, e quando já não tiver a quem o dar, que o deite ao rio. Quero que os meus ministros sejam espelhos da minha grandeza, e não representantes de um monarca arruinado! (...)
0 cardeal tomou nota, imperturbável, com a pluma branca de ganso a tremer-lhe na mão."

Júlio Dantas, "Pátria Portuguesa"
(adaptado)

Outras Informações
Dicionário:
Absolutismo
Monarquia Absoluta
Imagens:
João V, D.
D. João V, rei absoluto - 2
"Rei absoluto, D. João V comprazia-se em declarar que nada devia e ninguém receava: o Estado era ele e, para começar, o País era a Corte, na qual, desde a sua subida ao trono, tinha começado a modificar costumes austeros herdados da Espanha. Já em 1708 os fidalgos velhos lamentavam amargamente que ele estivesse a estrangeirá-la, quer dizer, a afrancesá-la.
Em 1724, D. João V tinha colocado em Paris Mendes de Góis, encarregado de o pôr ao corrente do moda e dos hábitos da Corte.
Cerca de 1730, uma nova geração tinha já absorvido, tanto quanto lhe era possível, os costumes novos. As damas tinham então o seu papel nos saraus das casas nobres, que imitavam os da Corte, mas burguesas ficavam ainda em suas casas, olhando 'através das gelosias quem passava na rua', como escrevia um viajante francês em 1730.
As primeiras manifestações da vocação de grandeza de D. João V tiveram lugar no estrangeiro. Uma embaixada, enviada em 1707 a Viena, tinha sido notada pela riqueza dos coches, fabricados especialmente em Haia - mas tudo isto foi ultrapassado pelo luxo dos cortejos das embaixadas a Paris, em 1715 (que a multidão seguiu durante cinco horas, disputando as mãos-cheias de moedas de ouro e de prata que lhe lançavam), e a Roma, em 1716 e 1718."

José-Augusto França, Lisboa Pombalina e o Iluminismo
(adaptado)

Outras Informações
Dicionário:
Absolutismo
Monarquia Absoluta
Imagens:
João V, D.
D. João V, rei absoluto - 3
"Fala-se de joelhos ao Rei, que está sentado num cadeirão."

Ramalho Ortigão

Outras Informações
Dicionário:
Absolutismo
Monarquia Absoluta
Imagens:
João V, D.
D. João V, rei absoluto - 4
"Depois de ouvir os conselheiros, resolvia os negócios, segundo lhe parecia mais acertado."

Visconde de Santarém

Outras Informações
Dicionário:
Absolutismo
Monarquia Absoluta
Imagens:
João V, D.
D. João V - Fausto - 1
"D. João V não regateava o preço das coisas: antes, como rei brasileiro, rico sem saber como, punha a honra na despesa."

Oliveira Martins

Outras Informações
Imagens:
João V, D.
D. João V - Fausto - 2
"Reinado realmente magnífico, esplendoroso, de fausto nunca igualado: com o oiro e os diamantes trazidos às carradas do Brasil, Sua Majestade maravilhava Roma com a grandeza dos seus presentes; levanta esse fenomenal Convento de Mafra e muitas igrejas, todas elas magníficas."

Bernardo Santareno "0 Judeu"
(Adaptado)

Outras Informações
Imagens:
Convento e palácio real de Mafra
Transporte de ouro
Barra de Ouro do séc. XVIII
D. João V - Fausto - 3
"Gostava de trajos ricos e sobretudo de joias. No peito, em dias de gala, suspensa de uma fita vermelha, usava uma cruz da Ordem de Cristo, coisa digna de ver-se, com brilhantes e rubis."

Frei João do Espírito Santo

Outras Informações
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João V, D.
Uma Elegante Lisboeta do Século XVIII
«Tenho a honra de lhes apresentar uma das mais célebres lisboetas do século XVIII, a menina Luísa de Sousa Vilanova, dezanove anos (...), cheia de polvinhos, mosqueada de sinais, fútil, caprichosa e beata.
Não a estão vendo, bem sei, porque são apenas oito horas da manhã e a esta hora a nossa elegante ainda se conserva recolhida (... ).
Esperemos que acorde e sacuda a campainha de prata da cabeceira.
Pronto: a campainha tocou. A nossa «frança» acordou.
Aí vem já a criada com as «roupinhas de levantar» e a dona velha com umas frutas de conserva dentro de um prato da Índia: é o petit déjeuner.
Muffiéri, cabeleireiro das meninas da moda, acaba de entrar. Levam bem cinco minutos a fazer mesuras um ao outro. Depois a menina senta-se num tamborete doirado e ele procede solenemente à edificação de um inacreditável penteado, riçando, empoando, acumulando joias, laços, ondeando, encanudando, encaracolando, criando uma atmosfera asfixiante de pós e perfumes.
Terminado o penteado, procede-se então à toilette para a missa.
Depois a menina desce, sempre amparada à moça, em pequeninos ais de cansaço, como era moda no tempo.
Quando o coche pára à porta da igreja, uma nuvem de mendigos rodeia-a.»

Júlio Dantas, 1917
(adaptado)

Outras Informações
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XVIII-Vestuário (1)
XVIII-Vestuário (2)
Um Elegante do Século XVIII
«Tenho o prazer de lhes apresentar o elegante português de 1720. Nunca saiu de Lisboa, mais lisboeta só uma alface.
Está sentado ao toucador, pintando-se, polvilhando-se, fazendo caretas diante de um espelhinho e cantando os versos que ouvira na última comédia do teatro do Bairro Alto. (...)
Calça sapatos de salto com grandes fivelas de prata. Já tomou o seu bochecho de água de rosas; arrepiou os cabelos mais eriçados que se visse um lobo, para encaixar a cabeleira postiça (...) Ata a sua gravatinha; ajusta sobre a camisa a véstia de cetim e veste a sua casaquinha verde. Tira do cabide o seu chapéu de três cantos; pega no «quito» (espada muito pequenina que mais parece uma joia) e no lenço muito branco e fino. (...)
Está pronto. E gritar pelo negrinho da casa que lhe abra a porta e abalar escada abaixo, em pé de dança.»

Júlio Dantas, 1917
(adaptado)

Outras Informações
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XVIII-Vestuário (1)
XVIII-Vestuário (2)
Os Penteados - 1
"Os toucados eram tão complicados com tranças, rolos, carrapitos, postiços, popas por entre as quais brilhavam «vespas» de diamantes: os cabeleireiros eram tão procurados - sobretudo os franceses -, que só na véspera da procissão se conseguia obter-lhes os serviços; por isso, muitas casquilhas, para não estragarem o engenhoso edifício, passavam a noite sentadas numa cadeira, acompanhadas de duas criadas prontas a ampará-las, se adormeciam ou cabeceavam. Para disfarçar a palidez da fadiga, o vermelhão e alguns sinais."

Suzanne Chantal, Vida Quotidiana em Portugal - século XVIII
(adaptado)

Outras Informações
Imagens:
XVIII-Vestuário (2)
Os Penteados - 2
"Chaves na mão, melena desgrenhada,
batendo o pé na casa, a mãe ordena
que o furtado colchão, fofo de pena,
a filha ponha ali ou a criada.

A filha, moça esbelta e aperaltada,
lhe diz com a doce voz que o ar serena:
"- Sumiu-se-lhe o colchão? É forte pena;
olhe não fique a casa arruinada..."

"- Tu respondes assim? Tu zombas disto?
Tu cuidas que, por ter pai embarcado,
já mãe não tem mãos?" E, dizendo isto,

arremete-lhe à cara e ao penteado.
Eis senão quando (caso nunca visto!)
Sai-lhe o colchão de dentro do toucado!..."

Nicolau Tolentino

Outras Informações
Imagens:
XVIII-Vestuário (2)
Traje Popular
«Nas classes inferiores, quer de Verão quer de Inverno, os homens não mudam nunca o capote, usado até pelos pobres miseráveis. Os operários e jornaleiros, que nos dias de trabalho raras vezes trazem casaco, lançando aos ombros o capote e pondo um chapéu tricórnio consideram-se vestidos. Os carreteiros, os burriqueiros e gentes parecidas, que em virtude das suas ocupações não podem usar trajos durante a semana, aparecem todos os dias santificados com grandes capotes, muitas vezes de cor verde.»

(De uma carta de um padre sueco que visitou Lisboa no século XVIII)

Outras Informações
A influência do Clero
"São os monges que proclamam a palavra de Deus, assistem aos moribundos, correm em socorro das famílias aflitas, dirigem o tribunal da Inquisição. Graças a estas catividades, o seu poder é muito grande (...).
Em Portugal tudo se pode fazer através dos monges. Eles forçam, protegem, fazem interpretar as leis à sua vontade, mandam nos tribunais, perseguem, fazem armadilhas e ninguém escapa nunca à sua vingança."

Documento citado in Lisboa setecentista vista por estrangeiros
(adaptado)

Outras Informações
Dicionário:
Clero regular
Inquisição
Inquisição (2)
Inquisição (3)
Procissão do Corpo de Deus
"Mal pude dormir por causa do repicar dos sinos, do rufar dos tambores e do toque dos clarins logo de madrugada (...).
Avançamos com grande dificuldade entre as filas de soldados formados em linha de batalha.
Descobrimos casas, lojas e palácios forrados de alto a baixo de damasco vermelho, de tapetes de variadas cores, de colchas de cetim e de cobertas de cama franjadas de ouro (...). A frontaria da igreja estava toda ornamentada e ao longo das escadas estavam dispostos os archeiros da Guarda Real com os seus ricos uniformes de veludo multicolor (...)
Vagarosamente, a procissão avançou ao som de cânticos e de salvas de artilharia em direção ao Rossio, que contornou várias vezes."

Diário de William Beckford, século XVIII
(adaptado)

Outras Informações
Dicionário:
Ornamental
Inquisição
"(...) Em Portugal (como na Espanha), a Inquisição convertera-se noutro estado - e poderosíssimo - dentro do Estado. Durante todo o final do século XVII e primeira metade do XVIII continuou imperturbavelmente a perseguir «judeus» e «hereges» e outros, isto é, gente da classe média com grande percentagem de homens de negócios, mercadores e artífices. De 1684 a 1747, 4672 pessoas foram sentenciadas e 146 queimadas no cadafalso.( .. )"

Oliveira Marques, História de Portugal, I Vol.
(adaptado)

Outras Informações
Dicionário:
Auto-de-Fé
Inquisição
Inquisição (2)
Inquisição (3)
Herege
Imagens:
Auto de Fé
Críticas à Inquisição
"Os Portugueses têm sido obrigados a afogar as suas ideias, a sufocar as suas opiniões. Os ministros (...) deverão convencer o seu soberano a acabar para sempre com a Inquisição que, implantada em Portugal é o escândalo de todos os povos do Mundo."

Francisco Xavier de Oliveira, Reflexões do século XVIII
(adaptado)

Outras Informações
Dicionário:
Inquisição
Inquisição (2)
Inquisição (3)
Censura
Autos-de-fé, espetáculos para muita gente
"Os autos-de-fé não se realizavam numa igreja, mas no Terreiro do Paço porque o seu tamanho o torna capaz de comportar, à vontade, uma maior multidão de espectadores."

Relato de um viajante francês, século XVII

Outras Informações
Dicionário:
Auto-de-Fé
Imagens:
Auto de Fé
Uma Tourada no Terreiro do Paço
"À minha chegada a Lisboa verifiquei com agrado que se tinham feito todos os preparativos necessários para uma tourada, defronte do palácio real. A praça é grande e bela e toda a fachada do palácio estava oculta por anfiteatros com a altura de vinte bancadas, tendo no alto camarotes cujo acesso se fazia pelas janelas do palácio.
0 conjunto era magnífico, e como os portugueses de destaque têm grande predileção pelo ouro, pedras preciosas e flores para ornamento dos cabelos, a varanda das damas constituía um espetáculo sumptuoso. (...)
0 rei e as damas da corte ocupavam uma soberba sacada, constituída no centro da fachada do palácio que dá para a praça. Como esta sacada correspondia aos aposentos de Sua Majestade, aqueles a quem o rei apraz admitir junto da sua pessoa tomam lugar nas janelas dos aposentos reais (...) ou na galeria que, como já descrevi, cinge o palácio, ao alto dos anfiteatros construídos para instalação do público. Os lugares nestes anfiteatros custam bastante caro (...). Sem esta incomodidade, a corrida de touros oferecia um dos mais belos espetáculos do mundo. Não tanto pelo espetáculo em si nem pelo massacre dos touros, que considero muito desagradável, mas pelo aspeto geral, que me pareceu admirável.
Logo que o rei e a corte apareceram na varanda que está construída em frente das janelas dos aposentos reais, deu-se início à festa. Até lá, em toda a praça reinava a confusão, apinhada de gentalha.
(...) Apareceram em seguida os cavaleiros, muito bem montados, que cumprimentaram o rei. Os cavalos faziam as "corvetes" das cortesias na perfeição. Aberto o curro, saiu um touro enfurecido que marrava (...), mugia de raiva. Por fim viu a um canto da praça um cavaleiro que lhe quebrou o ímpeto com que se lhe dirigia enterrando-lhe um rojão entre os cornos, com o que o touro ficou como pegado à arena. Foi a mais bela "sorte" a que assisti."

Relato de um estrangeiro do século XVIII, Portugal de D. João V visto por três forasteiros"

Outras Informações
Dicionário:
Corte
Sumptuosidade
Imagens:
XVIII-Uma Tourada
Divertimentos
"Quer nos grandes salões, quer nos jardins floridos de craveiros, a arte da dança -a pavona e o minuete - tinha lugar de destaque; assim como os jogos - a cabra cega, as cartas.
Nos jardins esmaltados de azulejos, os poetas, de mão na anca, pernas cruzadas, estavam sempre à espreita de qualquer guloseima ou de uma pitada de rapé. Uma beldade lançava uma frase ao acaso, dizendo: «Lá vai». Imediatamente se improvisava uma quadra; se a dona era espirituosa, encadeava e dava réplica. Este jogo gracioso podia durar horas."

Suzanne Chantal, Vida Quotidiana em Portugal no Tempo do Terramoto
(adaptado)

Outras Informações
Imagens:
XVIII-Um sarau no século XVIII
Os Palácios
"Compridos muros; um pórtico encimado por um brasão de granito; um pátio buliçoso onde palafreneiros de blusa vermelha limpavam os bronzes dourados de uma cadeirinha (...) e cuidavam de admiráveis cavalos de cauda entrançadas (...) escadarias de mármore com azulejos, incrustados em paredes caiadas (...); corredores com tapetes da Pérsia e inestimáveis sedas indianas; (...) lacaios de libré e luvas brancas, afastando respeitosamente reposteiros de peluche franjados de ouro (...); clérigos (...) tocando cravo na sala aconchegada de damas; fidalgos empoados, recamados de dourados desde as mangas bordadas até à fita que lhes prendia o tufo de cabelos, metendo delicadamente os dedos nas tabaqueiras de prata dourada das quais se soltava uma melodia."

Suzanne Chantal, Vida Quotidiana em Portugal - século XVIII
(adaptado)

Outras Informações
Dicionário:
Clérigo
Imagens:
XVIII-Um sarau no século XVIII
Uma Merenda em Casa do Marquês de Penalva
"A refeição, que consistia em chocolates, doces, chá e excelente café, era servida em porcelana de Dresden, admiravelmente pintada. Nunca assisti a uma tão agradável refeição em Inglaterra. As toalhas e guardanapos eram lindíssimos e curiosamente bordados com armas e flores, em vermelho sobre fundo branco. Muitas salvas com enormes morangos perfumavam a casa, de cujas janelas se via uma grande extensão do Tejo."

(Do Diário de um viajante inglês em Portugal, no século XVIII)

Outras Informações
Dicionário:
Porcelana
Imagens:
O hábito do chocolate
Uma manhã na capital
Uma cidade que desperta

É feriado em Lisboa. Ainda nem brilham os raios de sol e já os sinos da cidade, de S. Jorge a S. Roque, chamam os fiéis para a primeira missa. Os burgueses mais madrugadores, envergando os fatos domingueiros, vão-se deliciando com o habitual chocolate e torradas. Lá fora, mais de dez mil infelizes sem eira nem beira crianças abandonadas, mendigos, estropiados, desempregados, ciganos, saltimbancos - vão rondando os adros das igrejas e as portas das muitas tavernas e adegas de Lisboa.

O Rossio começa a palpitar

0 coche real, que a rainha trouxe consigo de Viena, atravessa de repente os largos portões do palácio real. Dirige-se a Belém para que a corte possa aí assistir à missa cantada. Nesta altura, com o sol a brilhar, o calor seca as gargantas. E o vendedor de limonadas começa a ter dificuldades em arranjar tempo para lavar as canecas.
0 Rossio enche-se então de dezenas de carroças, burros, mulas, bancas. No cais, os barqueiros e os remadores convidam os casais a merendar nas frondosas margens do Tejo. Na Ribeira Nova, os peixeiros correm vigorosamente, suportando no ombro uma comprida vara com dois grandes cestos carregados de peixe, enquanto as peixeiras exibem com orgulho os seus fios de ouro e as belas arrecadas nas orelhas. Junto à porta das igrejas reina grande confusão.
Em cada adro da igreja, movimenta-se uma densa multidão de vendedores, pedintes, frades e paroquianos. Imagens religiosas, rosários benzidos, lenços, alfinetes, bilros e até pomadas são vendidos por entre insultos, bofetões e cotoveladas, à mistura com assobios, pregões e até ruídos de castanholas,
No interior dos templos, seja na Graça, na Sé, em S. Domingos ou no Loreto, podem ver-se os burgueses suas mulheres exibindo ricos xailes de Cachemira, as filhas todas vaidosas com os seus vestidos "à francesa" os fidalgos tomando uma pitada de tabaco e consultando os pequenos relógios pendurados nas lapelas de veludo; os jovens de boas famílias, de lupa na mão, examinando atentamente as mais belas raparigas.

As gaivotas voam sobre o Tejo

Enquanto esperam pelos fregueses, os cocheiros vão fazendo a barba e aparando o cabelo, ao ar livre, sentados num marco ou numa pipa. Os moços de fretes, de braços cruzados, as camisas abertas até ao umbigo, observam, curiosos, um cigano que passeia, por entre a petizada maravilhada, um macaco enfeitado, montado num cãozito. Distintas viúvas deixam as suas liteiras e, com um ramo de alecrim na mão, dirigem-se apressadas à igreja, escoltadas pela criadagem. Cavaleiros impetuosos rompem à força, puxando o freio dos cavalos, que assopram e abanam as caudas. Sobre o Tejo, as gaivotas voam indiferentes."

Suzanne Chantal, A Vida Quotidiana em Portugal ao Tempo do Terramoto
(adaptação livre)

Outras Informações
Imagens:
Liteira
XVIII-Senhora burguesa
XVIII-O janota lisboeta
XVIII-O vendedor de literatura de cordel
XVIII-O aguadeiro
XVIII-O moço de fretes
XVIII-Os banhos no Tejo
XVIII-O cavaleiro
Bibliografia:
CARDOSO, F.; TOROK, M. H.; CARDOSO, O. M. (1996).História e Geografia de Portugal. Lisboa: Areal Editores.

As mulheres portuguesas descritas por estrangeiros - 1
As portuguesas são muito formosas, bastante cheias, a pele branca, possuindo, em geral, lindíssimos olhos e muita vivacidade. (...) Usam as damas por cima dos seus vestidos um manto preto franzido na cabeça, por forma que a capa e o corpo só podem ser vistos por aqueles a quem elas desejam conceder tal favor (...).

Anónimo, Descrição da Cidade de Lisboa (1730)

Outras Informações
As mulheres portuguesas descritas por estrangeiros - 2
As senhoras de categoria ou as burguesas mais cotadas mostravam-se pouco, mesmo até nas igrejas. Existia o provérbio que elas só saíam de casa três vezes na vida a Batizar, a casar e a enterrar.

José Gorani, A Corte e o País nos Anos de 1765 a 1767

Outras Informações
As mulheres portuguesas descritas por estrangeiros - 3
Ainda que não prime pela beleza das feições, no sentido geral, a jovem portuguesa jamais deixa de nos conquistar à primeira vista, mercê de um singularíssimo atrativo de que dispõe quase sempre um par de olhos de inexcedível encanto, negros como amoras, umas vezes, outras castanho-claro (...).

James Murphy, Viagem em Portugal em 1797

Outras Informações
Uma declaração de amor
Inclinação semelhante à que vos tenho jamais a houve no mundo. Ignoro absolutamente quem vós sois, e ignoro da mesma forma o vosso nome. Sem embargo desta ignorância há vinte e quatro horas que vos amo, e já podeis contar um dia em que me fizestes padecer e suspirar. Sem vos ter visto o rosto, o acho belo, e acho muito agradável o vosso discurso, sem que vos ouvisse falar. As vossas ações me encantam, e finalmente imagino em vós um não sei quê que me obriga a amar não sei a quem. Parece-me algumas vezes que tendes o cabelo loiro, e outras vezes que o tendes negro. Julgo que sois pequena e ao mesmo tempo me pareceis grande pessoa. Pode ser que passeis da estatura a que chamamos mediana. Tenho assentado em que os vossos olhos são verdes, azuis ou pretos, e também tenho assentado que são duas estrelas por mais escuros ou pardos que sejam.

Cavaleiro de Oliveira, Cartas

Outras Informações
Necessidade de educar as mulheres
Além disso, elas governam a casa, e a direção do económico fica na esfera da sua jurisdição. E que coisa boa pode fazer uma mulher, que não tem alguma ideia de economia? Além disso, o estudo pode formar os costumes, dando belíssimos ditames para a vida; e uma mulher que tem alguma notícia deles pode, nas horas ociosas, empregar-se em coisa útil e honesta (...).

Luís António Verney, Verdadeiro Método de Estudar

Outras Informações
A Vida num Engenho - A Casa Grande
"Aqui vive o Senhor de Engenho e sua família. O Senhor leva "vida na rede": da rede dá ordens aos negros, manda o capelão escrever cartas, joga gamão...
Levavam uma "vida mole" e algumas senhoras até nas igrejas estavam de rede, muito triunfantes, nos ombros dos escravos. Para os senhores, todo o dinheiro era pouco para fazerem figura nas festas das igrejas - com procissões, foguetes, sermões, danças, e o adorno das mulheres, de negras e mulatas."

GILBERTO FREIRE. Casa Grande e Senzala.
(adaptado)

Outras Informações
Dicionário:
Engenho
Imagens:
Engenho de Açúcar
Bibliografia:
SILVA, F.; DIAS, J. A. (1996). Descobrir Portugal - 5º ano. Lisboa: Constância.

A Vida num Engenho - A Senzala
"Aqui vivem os escravos negros.
Recebem ordens do "sinhô" ou do feitor. Trabalham na cana - plantam, cortam, colocam nas moendas, limpam as caldeiras, coalham o caldo, purgam e branqueiam o açúcar, destilam aguardente.
Se a comida da senzala era em geral inferior à da Casa Grande (a mandioca, o milho cozido) os negros influenciaram muito a alimentação brasileira: o uso da pimenta/malagueta, a banana, a farofa (mandioca frita), o vatapá..."

GILBERTO FREIRE. Casa Grande e Senzala.
(adaptado)

Outras Informações
Dicionário:
Engenho
Imagens:
Engenho de Açúcar
Bibliografia:
SILVA, F.; DIAS, J. A. (1996). Descobrir Portugal - 5º ano. Lisboa: Constância.

A Vida num Engenho - A Moenda
"Todo o trabalho que se fazia no engenho era especializado e a tarefa de colocar a cana nos tambores da moenda era um trabalho exercido pelas escravas - chamadas por isso de "moendeiras". Mas, era ali o "lugar de maior perigo... porque se por desgraça... por conta do sono ou por cansada a escrava metia desatentamente a mão mais adiante do que devia, arriscava-se a passar moída entre os eixos, se lhe não cortassem logo a mão ou o braço apanhado, tendo-se para isso junto da moenda sempre um facão" descreve Antonil.

Era muito comum, por isso, escravas sem os braços. As moendas d'água eram as mais perigosas. As movidas a bois eram fáceis de serem paradas. As movidas a cavalo eram também perigosas, pois com o susto de um deles agitavam-se todos os demais."

Outras Informações
Dicionário:
Engenho
Imagens:
Engenho de Açúcar
Bibliografia:
Da Casa Grande à Senzala (http://www.ars.com.br/projetos/ibrasil/1997/txtref/index.htm). Site desativado.

A Vida no Engenho - O Canavial
"O trabalho nos canaviais foi sempre o ponto mais importante da vida escrava. O trabalho era realizado por homens e mulheres. Penoso e contínuo. Começava às 6 horas da manhã e terminava às 6 da noite. Tarefas executadas em grupos, em filas, com enxadas para cavar o chão. Cantava-se para ritmar o trabalho. O feitor estava sempre por perto. Era ele que dirigia os trabalhos e castigava os ociosos. No canaviais havia o perigo das picadas das cobras.
Além de preparar a terra e de a plantar, fazia-se o corte da cana que se amarrava em feixes. Exigia-se uma tarefa diária de cortar e amarrar aproximadamente 4.200 feixes."

(adaptado)

Outras Informações
Dicionário:
Engenho
Imagens:
Engenho de Açúcar
Bibliografia:
Da Casa Grande à Senzala (http://www.ars.com.br/projetos/ibrasil/1997/txtref/index.htm). Site desativado.

A febre do ouro
"A sede insaciável do ouro estimulou tantos a deixarem as suas terras e a meterem-se por caminhos tão maus, como são os das Minas, que dificilmente se poderá contar o número dos que atualmente lá estão. Contudo, os que lá vivem (...) dizem que mais de trinta almas [pessoas] lá se ocupam em procurar e mandar procurar o ouro e em negociar, vendendo ou comprando tudo quanto é necessário (...). Todos os anos vem nas frotas grande quantidade de portugueses e estrangeiros para partirem para Minas. (...)
Das cidades, vilas e do interior do Brasil vão pessoas de todas as condições: homens e mulheres, moços e velhos, pobres e ricos, nobres e plebeus, seculares e clérigos (...)."

Antonil, Cultura e Opulência do Brasil (1711).
(adaptado)

Outras Informações
Bibliografia:
SILVA, M. D.; POLÓNIA, C. (1996) .Descobrir um País - 5º ano. Lisboa: Texto Editora.